Menu

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

TITI (Eça de Queirós)

"A titi, em casa, estendia-me a mão a beijar: e toda a manhã eu ficava folheando volumes do Panorama Universal, na saleta d'ella, onde havia um sofá de riscadinho, um armario rico de pau preto, e lithographias coloridas, com ternas passagens da vida purissima do seu favorito santo, o patriarcha S. José. A titi, de lenço rôxo carregado para a testa, sentada á janella por dentro dos vidros, com os pés embrulhados n'uma manta, examinava solicitamente um grande caderno de contas. Começou d'ahi, farta e regalada, a minha existencia de sobrinho da snr.ª D. Patrocinio das Neves. Ás oito horas, pontualmente, vestido de preto, ia com a titi á igreja de Sant'Anna, ouvir a missa do padre Pinheiro. Depois d'almoço, tendo pedido licença á titi, e rezadas no oratorio tres Gloria Patri contra as tentações, sahia a cavallo, de calça clara. Quasi sempre a titi me dava alguma incumbencia beata: passar em S. Domingos, e dizer a oração pelos tres santos martyres do Japão entrar na Conceição Velha, e fazer o acto de desaggravo pelo Sagrado Coração de Jesus…

Acordando do seu langor, trémula e pallida, mas com a gravidade d'um pontifice, a titi  tomou o embrulho, fez mesura aos santos, collocou-o sobre o altar; devotamente  desatou o nó do nastro vermelho; depois, com o cuidado de quem teme magoar um corpo divino, foi desfazendo uma a uma as dobras do papel pardo… Uma brancura de linho appareceu… A titi segurou-a nas pontas dos dedos, repuxou-a bruscamente—e sobre a ara, por entre os santos, em cima das camelias, aos pés da Cruz—espalhou-se, com laços e rendas, a camisa de dormir da Mary!”