“O
bobo, que habitava nos paços dos reis e dos barões, desempenhava um terrível
ministério. Era ao mesmo tempo juiz e algoz; mas julgando sem processo, no seu
foro íntimo, e pregando, não o corpo, mas o espírito do criminoso no potro
imaterial do vilipêndio. E ele ria; ria contínuo! Era rir diabólico o do bobo:
porque nunca deixava de ir pulsar dolorosamente as fibras de algum coração. Os
seus ditos satíricos, ao passo que suscitavam a hilaridade dos cortesãos,
faziam sempre uma vítima… E por cima daquele estrépito de palmas, de gritos, de
rugidos de indignação, de gargalhadas, que gelavam frequentemente nos lábios
dos que as iam soltar, ouvia-se uma voz esganiçada que bradava e ria, um tinir
argentino de guizos, um som baço de adufe; viam-se brilhar dois olhos
reluzentes e desvairados, num rosto disforme, onde se pintava o escárnio, o
desprezo, a cólera, o desfaçamento, confundidos e indistintos… Na torrente dos
desvarios, quando mais violento derramava em roda de si a lava ardente dos
ditos insultuosos e cruéis, nunca dos lábios lhe saiu palavra que fosse
despedaçar a alma de uma dama. D. Bibas debaixo da sua cruz de espada de lenho,
sentia bater um coração português, português da boa raça dos godos.”
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