“Danado
aquele Malhadinhas de Barrrelas, homem sobre o meanho, reles de figura, voz tão
untuosa e tal ar de sisudez que nem o próprio demo o julgaria capaz de, por um
nonada, crivar à naifa o abdómen de um cristão. Desciam-lhe umas farripas
ralas, em guisa de suiças, à borda das orelhas pequenina e carnudas como cascas
de noz: trajava jaleca curta de montanhaque; sapato de tromba erguida; faixa
preta de seis voltas a aparar as volutas dobradas da corrente de muita prata –
e, Aveiro vai Aveiro vem, no ofício de almocreve, os olhos sempre frios mas sem
malícia, apenas as mandíbulas de dogue a atraiçoar o bom-serás, as suas
façanhas deixaram eco por toda aquela corda de povos que anos e anos recorreu.
Na velhice, o negócio tilintado através de gerações, as andanças de recoveiro,
o ver e aturar mundo, tinham-no provido de lábia muito pitoresca, levemente
impregnada dum egoísmo pândego e glorioso. Nas tardes de feira, sentado da
banda de fora do Guilhermino, ou num dos poiais de pedra, donde já tivessem
erguido as belfurinhas, alegre do verdeal, desbocava-se a desfiar a sua crónica
perante escrivães da vila e manatas, e eu tinha a impressão de ouvir a gesta
bárbara e forte dum Portugal que morreu.”
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