Menu

sábado, 22 de novembro de 2014

O MALHADINHAS (Aquilino Ribeiro)

“Danado aquele Malhadinhas de Barrrelas, homem sobre o meanho, reles de figura, voz tão untuosa e tal ar de sisudez que nem o próprio demo o julgaria capaz de, por um nonada, crivar à naifa o abdómen de um cristão. Desciam-lhe umas farripas ralas, em guisa de suiças, à borda das orelhas pequenina e carnudas como cascas de noz: trajava jaleca curta de montanhaque; sapato de tromba erguida; faixa preta de seis voltas a aparar as volutas dobradas da corrente de muita prata – e, Aveiro vai Aveiro vem, no ofício de almocreve, os olhos sempre frios mas sem malícia, apenas as mandíbulas de dogue a atraiçoar o bom-serás, as suas façanhas deixaram eco por toda aquela corda de povos que anos e anos recorreu. Na velhice, o negócio tilintado através de gerações, as andanças de recoveiro, o ver e aturar mundo, tinham-no provido de lábia muito pitoresca, levemente impregnada dum egoísmo pândego e glorioso. Nas tardes de feira, sentado da banda de fora do Guilhermino, ou num dos poiais de pedra, donde já tivessem erguido as belfurinhas, alegre do verdeal, desbocava-se a desfiar a sua crónica perante escrivães da vila e manatas, e eu tinha a impressão de ouvir a gesta bárbara e forte dum Portugal que morreu.”





Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.