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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

BLIMUNDA (José Saramago)

“Que poder é esse teu, Vejo o que está dentro dos corpos, e às vezes o que está no interior da terra, vejo o que está por baixo da pele, e às vezes mesmo por baixo das roupas, mas só vejo quando estou em jejum, perco o dom quando muda o quarto da lua, mas volta logo a seguir, quem me dera que o não tivesse, Porquê, Porque o que a pele esconde nunca é bom de ver-se, Mesmo a alma, já viste a alma, Nunca a vi, Talvez a alma afinal não esteja dentro do corpo, Não sei, nunca a vi... Blimunda levantou a cabeça, olhou o padre, viu o que sempre via, mais iguais as pessoas por dentro do que por fora, só outras quando doentes, tornou a olhar, disse, Não vejo nada.O padre sorriu, Talvez eu já não tenha vontade, Vejo, vejo uma nuvem fechada sobre a boca do estômago. O padre persignou-se, Graças meu Deus agora voarei. Tirou do alforge um frasco de vidro que tinha presa ao fundo, dentro, uma pastilha de âmbar amarelo. Este âmbar, também chamado electro, atrai o éter, andarás sempre com ele por onde andarem pessoas, em procissões, em autos de fé, aqui nas obras do convento, e quando vires que a nuvem vai sair de dentro delas, está sempre a suceder, aproximas o frasco aberto, e a vontade entrará nele.”